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Beatriz Franck: Da praça à fábrica de moda


Beatriz Franck, de vendas de micates na praça a fundar uma fábrica de vestuário, exemplifica superação e sucesso no mundo da moda, transformando paixão num império respeitado.
Por Sita Sebastião

Beatriz Franck é uma empresária de sucesso que transformou a sua paixão pela moda num império respeitado, começando com humildes micates (bolinhos) na “praça” e culminando na inauguração de uma fábrica de vestuário. Em entrevista à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA a empresaria conta a sua trajetória de vida e como se tornou um exemplo de determinação, inovação e superação de desafios.

Nascida numa família pobre, Beatriz começou a trabalhar cedo para ajudar a mãe, que sustentava a família com a venda de micates. Desde os 7 anos, Beatriz vendia na pracinha, ganhando pequenas gorjetas que juntava cuidadosamente. Esse espírito empreendedor levou-a a iniciar um pequeno negócio, comprando e vendendo bolachas e conservas.

Em 1999, com 2 mil dólares que conseguiu juntar, Beatriz viajou para o Brasil, onde ficou na favela da Penha, no Rio de Janeiro, e depois em São Paulo, comprou duas malas de roupas e começou a vendê-las em Cabinda. Vendia às suas vizinhas, amigas e colegas de escola, marcando o início do seu percurso no mundo da moda.

Com o sucesso inicial, Beatriz decidiu construir uma loja no quintal de sua casa, inaugurada a 8 de Novembro de 2003. “Assim comecei a minha carreira empresarial no mundo da moda”, relembra. Em 2009, abriu a maior loja da província de Cabinda, o Shopping BIBI, a primeira loja de departamentos de Angola, com mil metros quadrados. Este empreendimento foi um marco significativo, oferecendo uma ampla gama de produtos, desde vestuário a mobiliário, electrodomésticos e tecidos para casa.

Em 2011, sentiu que Cabinda já era demasiado pequena para as suas ambições e mudou-se para Luanda. A 29 de Novembro de 2012, lançou a revista de moda “Super Fashion”. Poucos dias depois, abriu uma filial da boutique BIBI em Luanda. A revista foi publicada durante nove anos e foi várias vezes considerada a melhor revista de moda de África. Beatriz representou Angola em semanas da moda de alta-costura em Paris, Londres, Milão e África do Sul. No entanto, com a ascensão das redes sociais, a revista encerrou, pois, as pessoas deixaram de consumir a versão em papel.

Em 2015, Beatriz decidiu lançar a sua própria marca de vestuário, BEATRIZFRANCK, inaugurada oficialmente a 12 de Dezembro de 2018. Nesse período, começou a trabalhar no projecto de lançamento da sua fábrica. Antes disso, em 2021, inaugurou a sede da marca BEATRIZFRANCK, que também inclui uma academia de moda, a primeira do país, com o intuito de formar futuros profissionais para a sua fábrica.

O culminar de anos de trabalho e planeamento deu-se a 21 de Junho último, com a inauguração da fábrica BEATRIZFRANCK. Esta unidade industrial tem como objetivo abastecer as suas lojas e produzir uniformes e peças de vestuário a preços acessíveis, destinados principalmente à população mais necessitada. “Vamos fazer uniformes, outras marcas brancas e vamos também produzir a marca BEATRIZFRANCK”, explica.

No início da sua carreira empresarial, Beatriz enfrentou inúmeros desafios. “Primeiro, era muito jovem, quando comecei. Segundo, era pobre, não vim de uma família conhecida, não tinha acesso a créditos, não tive ajuda de ninguém”, relembra. A conjuntura em Luanda também era difícil. Enfrentou barreiras com a revista, como a falta de financiamentos bancários e bloqueios impostos por uma das filhas do ex-presidente que tinha também uma revista. Apesar dessas dificuldades, conseguiu estabilizar-se como uma empresária bem-sucedida e respeitada em Angola.

A influência do título de Miss

Beatriz também foi Miss Cabinda, um título que ajudou a alavancar o seu negócio. “Quando ganhei o Miss Cabinda, em Setembro de 2003, tive um prémio de 8 mil dólares e uma bolsa de estudo”, conta. Este prémio permitiu-lhe adquirir mercadorias para a sua loja e financiar a sua primeira licenciatura na UPRA. A visibilidade como Miss aumentou as suas vendas e trouxe mais clientes para o seu negócio.

Durante o seu tempo como Miss, Beatriz aprendeu lições valiosas que ainda aplica nos negócios. “Aprendi que a imprensa tem uma importância preponderante”, afirma. A experiência ajudou-a a manter o foco nos seus objectivos empresariais e a desenvolver competências de comunicação e visibilidade pública.

Mudança para Paris

A procura por melhores condições de negócio levou Beatriz a mudar-se para Paris. “O mercado europeu atribui mais facilidades às jovens empresárias africanas”, explica. Em Paris, as taxas de crédito bancário e os custos aduaneiros são mais baixos, o que facilita os negócios. Além disso, a presença em Paris, a capital da moda, confere prestígio e reconhecimento internacional à sua marca.

Beatriz já tinha criado bases sólidas a nível pessoal e profissional em Paris. “Considero-a a minha segunda cidade”, diz. A adaptação está a ser óptima, apesar dos desafios. Ela sente que este é o momento certo para se mudar e expandir os seus negócios no mercado europeu.

É ainda prematuro avaliar o impacto da mudança para Paris nos seus negócios em Angola. No entanto, Beatriz acredita que ter a base da marca em Paris facilitará a venda para a Europa e o financiamento bancário. Isso permitirá pagar a matéria-prima ou mercadoria e exportar para Angola com mais facilidade.

Produção da Fábrica

A fábrica BEATRIZFRANCK produzirá uniformes para adultos e crianças e peças padronizadas pronto-a-vestir, como vestidos, calças, calções e camisas. A produção visa substituir a roupa em segunda mão no mercado informal, oferecendo peças a preços acessíveis sem comprometer a qualidade. O projecto também contempla a produção de fardas e uniformes para organismos públicos e empresas privadas, bem como peças de vestuário para marcas brancas e a fabricação de carteiras artesanais, toalhas e guardanapos. A fábrica dará prioridade ao consumo de matéria-prima produzida pela TEXTANG em Angola.

O processo de design começa com as inspirações de Beatriz e as tendências das plataformas de moda que segue. Ela partilha as ideias com a sua designer, que cria esboços. Após a selecção final, passam para a execução da peça piloto, corrigindo eventuais erros. Só depois definem os materiais apropriados e acessórios. “Passamos, então, para a produção da amostra final, aprovação, produção em massa, etiquetagem, distribuição nas lojas e venda ao público”, explica.

Atualmente, Beatriz possui quatro lojas,  os critérios para escolher as localizações incluem a exigência de um mínimo de 100 metros quadrados e estar nas maiores avenidas da capital.

O valor investido na fábrica foi de 2,5 milhões de dólares, dividido entre o GRUPO BEFRAN LDA, representado por Beatriz Franck com 70% das ações, e a empresa chinesa D&J, que detém 30%. Esta empresa produz todas as roupas BEATRIZFRANCK e fornece suporte no know-how, operação da maquinaria e importação da mercadoria.

Beatriz dedica a maior parte do seu tempo à fábrica, onde orienta pessoalmente as operações diárias. As lojas, já bem estabelecidas, necessitam de menos atenção. Quando está fora do país, gere as operações através de reuniões online. Para garantir a eficiência operacional, utilizam o Software do Primavera para gestão de fábricas e programas como Procreate e Ibis Paint para design.

Crise de divisas em Angola

A crise de divisas tem sido um problema para muitos empresários em Angola, incluindo Beatriz. “Às vezes as transferências demoram muito”, diz. Para ultrapassar este problema, contam com o apoio do BNA e dos bancos, e o parceiro chinês garante a saída da matéria-prima sem o pagamento integral antecipado.

Beatriz planeia expandir a fábrica e abrir mais lojas em Angola e no exterior. A expansão é necessária para responder às necessidades da população angolana e para explorar novas linhas de vestuário. Além disso, considera abrir uma loja-mãe de mil metros quadrados e embarcar na produção de cosméticos, um sonho antigo.

A estratégia de sustentabilidade da empresa inclui o uso de tecidos com fibra sintética, como poliéster, que têm maior durabilidade. “Essa é a estratégia que nós adoptámos”, explica Beatriz.

Por outro lado,o GRUPO BEFRAN tem um projecto de responsabilidade social que apoia o orfanato Betânia em Cabinda há 17 anos. Além disso, distribuem material de primeira necessidade, roupas e vestuário em hospitais e centros de reintegração social, e formam jovens com capacidades diferentes para trabalhar na fábrica.

As maiores lições que Beatriz aprendeu ao longo da sua jornada empresarial incluem a importância do trabalho árduo, disciplina, foco e confiança em si mesma. “Sempre acreditei em mim e nunca deixei que me inferiorizassem por ser mulher”, diz. A história de Oprah Winfrey, uma mulher de sucesso que superou muitas adversidades, é uma das suas maiores inspirações.